Consultado pela Sociedade Paranaense de Cardiologia (SPC) do Paraná, nosso escritório defendeu, em parecer jurídico assinado pelo advogado Felipe Souza Podolan, a legalidade e a necessidade de atendimento médico por meio da utilização das técnicas de “telessaúde”, bem como a obrigatoriedade de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde sem a necessidade de alteração contratual, enquanto durar o estado de calamidade pública causado pelo vírus COVID-19.
Confira, abaixo, a íntegra do parecer.
Ponta Grossa, 02 de abril de 2020.
PARECER JURÍDICO
Consulta-nos a SOCIEDADE PARANAENSE DE CARDIOLOGIA, doravante denominada “consulente”, inscrita no CNPJ sob nº 78.744.760/0001-09, com sede na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, a respeito da temática “cobertura assistencial dos atendimentos realizados por meios remotos, empregando-se tecnologias que viabilizem o atendimento não presencial (telessaúde)”, apresentando os seguintes questionamentos, que serão respondidos ao final:
Face aos questionamentos formulados, cabem, inicialmente, as seguintes considerações gerais:
O Brasil encontra-se em período de calamidade pública, reconhecida por meio do Decreto Legislativo nº 6 de 2020[1] em virtude da pandemia do vírus COVID- 19, também conhecido como coronavírus.
Tendo em vista que o coronavírus possui alto potencial de proliferação em ambientes de elevada densidade populacional, as autoridades de saúde têm recomendado o isolamento social como medida de combate à propagação da doença. Empresas e profissionais liberais tiveram que adequar suas atividades à recomendação imposta.
Com vistas a continuar prestando o devido atendimento, os serviços de saúde também tiveram que passar por adaptações, as quais também visam colaborar com o isolamento social recomendado. Verifica-se, então, um exponencial crescimento de atendimentos por meio de telemedicina, nos mais variados contextos e especialidades, uma vez que tal procedimento possibilita maior proteção dos profissionais e pacientes do contágio.
A telessaúde é prática já utilizada há tempo na psicologia, sendo regulamentada pela Resolução nº 11 de 2018 do Conselho Federal de Psicologia (CFP)[2], que permite a oferta on-line de diversos serviços, desde que devidamente autorizados pelo SATEPSI (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos) e de acordo com as normativas vigentes do Conselho Federal de Psicologia.
Com o advento da pandemia, outras áreas da saúde emitiram posicionamentos. O Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFA) emitiu orientação[3] permitindo a utilização de teleconsulta e telemonitoramento e, na mesma linha, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), por meio da Resolução nº 646 de 18 de março de 2020[4] e o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), por meio da Resolução nº 516 de 20 de março de 2020[5].
O Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio de decisão tomada através do Ofício nº 1756 de 2020[6], reconheceu a possibilidade de utilização de telemedicina, nos seguintes termos:
“5. Este Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu aperfeiçoar ao máximo a eficiência dos serviços médicos prestados e, EM CARÁTER DE EXCEPCIONALIDADE E ENQUANTO DURAR A BATALHA DE COMBATE AO CONTÁGIO DA COVID-19, reconhecer a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, nos estritos e seguintes termos:
Buscando regulamentar e operacionalizar a telemedicina como medida de enfrentamento à pandemia do COVID-19, o governo federal editou, em 20 de março de 2020, a Portaria nº 467[7], e nos termos do seu artigo 2º: “As ações de Telemedicina de interação à distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.”
Ademais, tramita da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 696/2020 que libera o uso da telemedicina em caráter emergencial enquanto durar a crise ocasionada pelo COVID-19.
Conforme verificou-se, fora imediata a movimentação dos conselhos de classe e do governo federal a fim de regulamentar a possibilidade da telemedicina durante o período de calamidade pública, restando comprovada a importância da técnica como medida de proteção aos profissionais e pacientes.
Feitas as considerações acerca da necessidade e das normas regulatórias relativas à telessaúde, passa-se à análise e resposta dos questionamentos elaborados pela consulente.
Os posicionamentos acima mencionados, emitidos pelos conselhos de classe, bem como a Portaria 467/2020 editada pelo governo federal evidenciam a necessidade de adoção da telemedicina em substituição às tradicionais consultas médicas presenciais, buscando assim diminuir ao máximo o contato entre pessoas, prevenindo, assim, a disseminação do COVID-19. A utilização da referida modalidade é alternativa encontrada para manutenção do atendimento médico enquanto durar a pandemia.
Operadoras de saúde são pessoas jurídicas responsáveis por operar serviços, produtos e/ou contratos de Plano Privado de Assistência à Saúde, cuja definição encontra-se descrita em artigo 1º, inciso I da Lei 9.656 de 1998, nos seguintes termos:
“Prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.”
Em tempos de pandemia, a telemedicina aparece como alternativa capaz de viabilizar a manutenção da prestação continuada e eficiente dos serviços de saúde durante a pandemia. Os beneficiários dos planos de saúde não podem ser privados de serviços de tamanha essencialidade durante o período de combate ao COVID-19 e, por outro lado, parece irresponsável que sejam obrigados a exposição social para obtê-los, contrariando as recomendações de isolamento social, uma vez que existe alternativa segura e recomendada. Toda medida que preze pela segurança dos profissionais e pacientes, não expondo-os ao contato desnecessário com terceiros, é bem-vinda nesse momento.
Ademais, o supracitado artigo legal menciona a livre escolha de profissionais de saúde por parte dos beneficiários. Nesse contexto, a telemedicina possibilita que o beneficiário de plano com tal característica continue a ser atendido pelo profissional que escolher, esteja esse cumprindo ou não as recomendações de isolamento social. Impossibilitar a utilização do atendimento remoto significa obrigar a exposição dos profissionais, os quais por não poderem abrir mão de seu sustento, encontram-se obrigados a contrariar as recomendações impostas pelas autoridades de saúde nacionais e internacionais.
Fazer barreira ao reconhecimento da telemedicina como modalidade de atendimento, durante o período de combate ao coronavírus, pode ainda ser considerado ato atentatório à 3 direitos sociais previstos no artigo 6º[8] da Constituição Federal: saúde, trabalho e segurança. Priva-se o acesso à saúde por parte do beneficiário, uma vez que esse pode acabar evitando recorrer a um médico por medo de ser infectado pelo COVID-19. Por outro lado, o incentivo à interação de profissionais e pacientes pode representar riscos à saúde de terceiros, acarretando implicações à saúde nacional como um todo, uma vez que a interação pessoal é a principal causa de propagação do vírus. Ao trabalho dos profissionais de saúde, ao passo que impossibilitados de realizarem suas atividades, uma vez que incompatíveis com as recomendações de saúde pública. Por fim, à segurança de pacientes e profissionais, que são incentivados à exposição à probabilidade de contágio para que possam atender e ser atendidos.
A Diretoria Colegiada da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) entendeu, através de aprovação unânime da Nota Técnica nº 7/2020/GGRAS/DIRAD-DIPRO/DIPRO[9], em sua 6ª Reunião Extraordinária[10], realizada em 31 de março de 2020, que a pandemia do COVID-19 é justificativa suficiente à adoção da telemedicina no Brasil, assim concluindo:
“Atendimentos realizados por meio de comunicação à distância não se caracterizam como novos procedimentos, mas apenas como uma modalidade de atendimento não presencial, esta área técnica entende que não se faz necessário nem adequado atualizar o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde no que tange à inclusão de procedimentos (anexo I) e/ou alteração de diretrizes de utilização (Anexo II), nem tampouco às regras de cobertura dispostas na RN 428/2017, devendo-se considerar que os atendimentos por meio de telessaúde já são de cobertura obrigatória, na medida em que cumprem as orientações normativas dos Conselhos Profissionais de Saúde e/ou do Ministério da Saúde.”
Assim sendo, entende-se pela necessidade das operadoras em viabilizar com urgência a possibilidade de atendimento remoto de beneficiários por parte dos profissionais de saúde, em substituição ao presencial, sob pena de estarem atentando contra as recomendações impostas pelas autoridades de saúde. Trata-se de medida excepcional e imediata que visa a preservação da adequada prestação dos serviços ofertados pela operadora, bem como a segurança dos pacientes e prestadores de serviços.
Ressalte-se que, obviamente, tais procedimentos deverão ser realizados em consonância com a legislação atual e com as normativas editadas pelo Ministério da Saúde e pelos conselhos profissionais competentes e, assim estando, devem ser cobertos integralmente pelas operadoras de saúde, uma vez que, em tempos de pandemia, são realizados de forma substitutiva aos atendimentos outrora realizados de forma presencial.
O momento atual levou à necessidade de incentivo à telessaúde como medida substitutiva ao atendimento presencial, motivando os conselhos profissionais e Ministério da Saúde a editarem normativas tratando da questão.
Tendo em vista que o COVID-19 assolou o país de forma repentina, as mudanças nos hábitos da população e na forma de trabalhar das empresas tiveram que ser tomadas com extrema urgência, não sendo diferente com a forma de atendimento médico.
A alteração de todos os contratos de plano de saúde, existentes entre operadoras e beneficiários, seria de uma morosidade incompatível com o ritmo de evolução da pandemia e com a necessidade de velocidade na adaptação das relações. Por tal razão, deve-se buscar uma forma célere de adequação da modalidade proposta às relações entre operadoras e prestadores de serviços enquanto durar a pandemia.
Nos termos da Nota Técnica nº 3/2020/DIRAD-DIDES/DIDES [11]da ANS, a qual não sofrera objeções por parte de sua Diretoria Colegiada, conclui-se, após extensa análise dos contratos de saúde e das normativas pertinentes, o seguinte:
“A desnecessidade de alteração e/ou adaptação de contratos para o exercício da Telemedicina, em consonância com a disciplina atualmente vigente acerca dos contratos entre Operadoras e Prestadores de Serviço à Saúde, em especial na RN nº 363/2014, desde que exista qualquer outro instrumento que permita identificar que as partes pactuaram a realização de atendimento via telessaúde por aquele determinado prestador, observando-se as exigências consignadas ao final do capítulo 4 desta nota.”
Tal instrumento de prévia pactuação entre operadora e prestador, conforme análise do próprio órgão no corpo da supracitada Nota Técnica, pode ser simples troca de e-mail ou de mensagens em plataforma eletrônica da operadora de saúde, sendo desnecessário qualquer modificação contratual. Todavia, importante que fiquem acordados os serviços possíveis de serem prestados por atendimento remoto, procedimentos, valores e forma de remuneração.
A recomendação da via simplificada se dá pelo fato de que o procedimento de atendimento remoto já é modalidade reconhecida de prestação de serviços, sendo invocado pelo Ministério da Saúde e conselhos de classe como alternativa viável de manutenção da devida prestação no atual cenário de calamidade pública.
Por mais que haja necessidade de pactuação, a operadora não pode se furtar a realizá-la, uma vez que comprovada a imprescindibilidade da adoção da telemedicina para viabilizar a devida continuidade na prestação dos serviços que contratualmente oferecera a seus beneficiários. Conclui-se, portanto, que as operadoras devem disponibilizar aos seus profissionais, com urgência e clareza, a possibilidade de optarem pela adoção da telessaúde, nos limites permitidos, enquanto perdurar o estado de calamidade pública no país.
É o que temos a opinar.
Ponta Grossa, 02 de abril de 2020.
Felipe Souza Podolan
– OAB/PR 85.968
[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm
[2] Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLU%C3%87%C3%83O-N%C2%BA-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
[3] Disponível em: hps://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/index.php/2020/03/coronavirus-teleconsulta-etelemonitoramento-em-condicoes-emergenciais/
[4] Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2020/03/Resol-CFN-646-codigo-etica.pdf
[5] Disponível em: https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825
[6] Disponível em: http://portal.cfm.org.br/images/PDF/2020_oficio_telemedicina.pdf
[7] Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996
[8] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[9] Disponível em: http://ans.gov.br/images/stories/noticias/pdf/NOTA_T%C3%89CNICA_7_DIPRO.pdf
[10] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T7QxqSeO2RU
[11] Disponível em: http://ans.gov.br/images/stories/noticias/pdf/Nota_T%C3%A9cnica_3.pdf
*Fonte da imagem: https://www.computerworld.com/article/2825063/google-launches-telemedicine-beta-for-video-chats-with-docs.html